O potencial da representação cultural dos palop no espaço da banda desenhada
A cultura molda a nossa percepção do mundo, a forma como nos movemos na sociedade, as escolhas que fazemos diariamente, sendo de alguma forma herdeiros das práticas e das ideias das comunidades onde nos formámos como indivíduos.
À medida que tentamos fazer parte da paisagem global, a importância de representar a nossa própria cultura nunca foi tão clara. Podemos sentir esta urgência particularmente aqui, no continente africano, onde os artistas e agentes culturais se têm empenhado cada vez mais em resgatar histórias da tradição oral e práticas ancestrais, que de outra forma correm o risco de desaparecer.
A BD tem o potencial de dar voz a comunidades e tradições marginalizadas. Através das suas narrativas ficcionais, quem não se sente escutado, ganha espaço para fazer chegar mensagens culturalmente relevantes a um público vasto. A componente visual aumenta ainda mais o seu alcance, abarcando públicos com diferentes idades e graus académicos, o que torna a BD num formato valioso para resgatar a herança cultural dos PALOP.
No primeiro concurso da BDPALOP, os artistas vencedores desenvolveram narrativas históricas, urbanas, fantásticas e de ficção científica. Nas narrativas históricas, elegeram-se temas como as guerras, invasões e escravatura, estando presente como elemento cultural a forma como preservamos, mesmo em tempos de grandes dificuldades, a solidariedade e o espírito comunitário. Acontece o mesmo quando se fala da realidade urbana de, por exemplo, Maputo, em que a capacidade de “adaptação” dos habitantes da cidade, as peripécias, as situações de precariedade e a escassez fortalecem o vínculo entre as personagens. Já o curandeirismo, os orixás e a magia são uma constante nas histórias deste primeiro concurso, mostrando a importância de preservar a nossa ligação com a ancestralidade e quebrar com o binómio progresso vs. tradição, reconhecendo que podemos caminhar lado a lado, conectados à cultura africana, como seres destes tempos.
Depois de inúmeras histórias de BD contadas pelos EUA, pela Europa e Ásia, é importante garantir que as nossas narrativas também são representadas e que chegam aos leitores num formato de qualidade, seguindo os padrões de exigência do mercado global, e fazendo com que os leitores dos PALOP exijam também cada vez mais qualidade nas publicações que lhes chegam. Este é o primeiro passo dos PALOP para estabelecer um mercado abrangente de BD para leitores de língua portuguesa, que trará novas oportunidades para artistas locais promoverem o seu trabalho. A cada edição, nove escritores e nove ilustradores saem formados com ferramentas para darem asas ao seu talento. É uma inspiração para os países onde vivem. Uma inspiração para todo o continente africano. Para o mercado global da BD.